terça-feira, 15 de abril de 2008

O Guia e a Bússola

O nosso herói, entre todos os homens de todos os tempos, era o único que possuía o endereço de casa - e era de lá também que se originavam todos os homens. Ele, não menos homem nem mais herói que os demais, era também obrigado a percorrer – até a sua morte – aquilo que chamavam de destino. Não sabemos o real motivo, mas o nosso herói obtendo o endereço nas mãos – que todos os outros queriam possuir, dos mais sábios aos mais tolos – não o mostrou a ninguém. Certamente, não era caso de egoísmo ou vaidade. È que a mensagem não possuía valor algum tão logo a sua casa se tornava mais distante e ele começava a cravar os pés e os olhos na realidade do horizonte.

Durante o seu vagar ininterrupto via os outros homens, com seus olhos lacrimosos e suplicantes, procurarem insaciavelmente aquilo que ele continha. Uns chegavam a interromper os próprios passos com medo de errar o caminho, outros retrocediam e se tornavam um pouco mais infantis. Mas o nosso herói errava como todos os outros e prosseguia. A mensagem, contendo somente o lugar de onde vinham, não apontava para lugar nenhum. O nosso herói, na medida em que o tempo e o movimento se dilatavam, via-a cada vez mais ilegível e inútil.

Era tão grande a esperança que os homens depositavam na mensagem que, talvez com medo de desiludi-los e colocá-los assim numa outra ilusão é que o nosso herói – e ele só era herói por isso – ocultava até o insuportável a mensagem. Carregava consigo o mal-entendido.

Um comentário:

Cacau disse...

Relendo sua parábola agora que ela se tornou mais clara, ficou evidente o quanto a questão da origem é irrelevante para "o herói": "a mensagem não possuía valor algum tão logo a sua casa se tornava mais distante" e "via-a cada vez mais ilegível e inútil".

Engraçado eu ter te questionado sobre isso sem saber q esse texto ilustrava justamente a importância que se atribui a essa questão. Mas não foi seu texto que incoscientemente suscitou essa pergunta. Foi no Ana Karênina q um personagem ateu é perguntado sobre isso por um padre. Não fosse o Ana Karênina, e essa sua parábola iria permanecer o resto da vida como um mistério pra mim...

Bj.