domingo, 3 de agosto de 2008

Tagarelice

Falar é fácil. Falar é fácil demais. Depois de toda ação então, nem é mesmo necessário mais língua. A frase solta que envolve a fala faz sem aparato o vôo necessário para sair da caverna para habitar a amplidão do mundo. A tagarelice está ai a todo vapor, na TV a toda hora, nos botequins de cada esquina, nas horas perdidas de ócio dentro de uma casa.

Escrever também e fácil. Com um pouco mais de trabalho monta-se uma frase, um texto, e de repente está instaurado a mesma tagarelice da fala, o mesmo monturo de pensamento, a mesma náusea de nhenhenhés, com que antes cabia a boca expandir. Com a fala se expurga a culpa de não ter feito antes o que poderia estar e que agora é reclamado. Milhões e milhões a toda hora.

Bêbados sem álcool nenhum dizem as coisas mais sem sentido que nem o personagem mais lúcido de qualquer lugar saberia pronunciar tão bem. Com a tagarelice escapa-se do tédio. Sim, é uma boa forma de passar o tempo, construindo castelos de areia que na mesma hora que montados escorrem pelos dedos.

E assim o mundo prossegue amontoando merda atrás de merda só para ter a impressão de que falando a vida se torna menos fétida.

Eu quero é ver quem tem coragem de silenciar para extrair desse silêncio a frase que ultrapassará todas. Eu quero é ver quem tem coragem de interromper o fluxo da frase, o fluxo do pena e da escrita, para no momento seguinte extrair uma poesia que reverberá. O mundo está lotado de palavras inúteis. E uns ainda reclamam o estatuto de obra de arte em todas as áreas. Nem Duchamp que deslocou o estatuto do que é arte de forma que ainda nos dá trabalho tagarelava tanto. Na verdade Duchamp sabia das coisas. Não é de se espantar que a sua obra ainda esteja nas veredas dos enigmas. Enigmas e silêncios.

É necessário lançar a palavra como uma flecha diante do alvo, como numa essência minimalista. Onde se entrevê entre o tão pouco um mar de entrelinhas.