terça-feira, 7 de agosto de 2007

Escravo da obra

Começara a ler por recomendação da mãe. Sempre aqueles romances mais levinhos, água com açúcar, onde a leitura corria rápida e solta. Mas ele começou a tomar gosto pela coisa e passou a buscar alguns livros mais sérios. E passou a ler também com outros objetivos: dizia que queria trazer a obra para dentro da realidade. E só havia um meio de se fazer isso: entrar na obra de corpo e alma.
Foi então que a mãe começou a desconfiar do hábito de leitura do rapaz, agora já na casa dos vinte e poucos. Ele realmente queria viver o personagem. E tudo começou com uma brincadeira simples ao imitar a barba de Hemingway enquanto lia os seus romances. Mas ai ele gostou mesmo de querer ser outro.
Quando leu o Ensaio sobre a cegueira andou de um lado para o outro com uma venda nos olhos, retirando-a apenas para terminar de ler a obra.Vivia mesmo como um cego. Foi uma das melhores experiências que teve.
Mas a coisa começou a degradar.O romance de Nabokov foi uma perdição para ele. Chamava toda adolescente de Lolita e tão bem vez que chegou a se apaixonar por uma tal de Eduarda que nem de longe lembrava a personagem provocante do russo. Também se apaixonou por uma mulher mais velha quando leu A educação Sentimental de Flaubert. Quase morreu de amor.
Obviamente que, quando leu a obra mais importante da Clarice, comeu uma barata. Uma só não, várias...porque ele não entendeu direito o sentido do romance e a cada releitura comia uma família inteira de baratas. Até fazia pequenas armadilhas para retê-las...acabou não entendendo nada...nunca mais quis ler Clarice...e ainda ficou duas semanas no hospital para curar-se da intoxicação alimentar...para todos a culpa tinha sido da maionese vencida.
A coisa se agravou quando começou a ler as obras de Bukowski. Achou que era mesmo um velho safado e constantemente andava bêbado. Bebia para escrever alguns contos pornográficos. A mãe então não aguentou mais. Quis interná-lo. Ele fugiu.
A mãe não tinha notícias dele até um certo telefonema da polícia. Estava preso. Acabara de matar uma velha. Foi pego em flagrante ao deixar a porta aberta do apartamento em que vivia a senhora...tal como o assassinato de Raskólhnikov. Teve azar porque no exato momento da execução passava um vizinho...Foi preso com a machada ensanguentada numa mão e na outra um exemplar de Crime e castigo.
Ao chegar na delegacia ainda gritava:"Isso é absurdo!!!Um absurdo!!!Eu não posso ser preso!!! Na obra não tem vizinho!!! Essa denúncia não existe!!! E cadê a irmã? Falta a irmã para morrer!!! Lisavieta!!! Lisavieta!!!"

2 comentários:

Maíra disse...

Ahahahha que perigo! Antes continuasse nas obras de banca de jornal...

Cacau disse...

Palmas, palmas! Excelente, amigo! Na hora da barata eu tive que rir, hehe.