Tenho essa ambição de querer ler todos os livros do mundo. Pois Bem. Nessa fúria inebriante de querer engolir o mundo com uma boca só é necessário um certo método. Nem tudo consegue adentrar nessa boca pequena que vos vala. Tratando-se de conhecimento podemos dizer que existem certos alimentos espirituais totalmente indigestos, ou que no mínimo precisam de uma boa sessão de corte para que se engula as partes e uma preparação espiritual, um ascetismo mesmo para poder nos permitir apreender tudo. Ninguém entra numa churrascaria impunemente sem preparar previamente o estômago e a alma que também se inflará. Não se sairá igual. Da mesma forma e muito pior acontece com a arte e a filosofia, é também prudente preparar a alma e o estômago, sim, o estômago!, para cada inserção nesses livros onde escorrem gorduras de conhecimento. Assim: quem come um touro inteiro chamado Dostoiévski? Alguém encara, assim, sem mais nem menos, numa singela tarde de domingo uma ópera de Wagner ou uma “refrescante” dose da filosofia de Nietzsche? Duvido que não passe mal depois, duvido. Pode até causar vertigem irrecuperável! Até que algumas, nesse nosso mundo insosso, são muito recomendáveis...
Pois bem. Hoje chove. E minha alma anda muito suscetível a abalos sísmicos sem aviso prévio. Ela está precisando de flexibilidade nas estruturas para não desmoronar em qualquer encontrão com a dor da terra. Pensando nisso e agarrado a essa minha ambição filosófica de mundo, antes de começar a ler Nietzsche e Dostoiévski hoje, principiei o dia lendo um livro do Mário Quintana, A Vaca e o Hipogrifo, com o pretexto de alongar as idéias antes de entrar na maratona filosófica. Acabei me retendo nele, devorando-o e descobrindo uma certa alegria, um certo humor da genialidade que faz com que percorramos um caminho árduo na mais calma plenitude. O livro consiste de pequenas trechos inteligentíssimos e humorados sobre temas variados. E quem convive comigo sabe: tenho essa teoria, nem sei se é teoria, e provavelmente não é também original, tá, ok, essa constatação de o gênio nos faz sorrir até mesmo da dor, que uma idéia genial tem como consequência última a gargalha diante do espanto. É isso que constato em Quintana, quando o lemos brota um inocente sorriso de criança que brilha ao ver o mágico tirar o coelho da cartola.
O que aconteceu foi isso. Fiquei o dia inteiro lendo Quintana e quando me dei conta já estava em outra etapa do ensinamento, respirando uma atmosfera muito mais animadora. Fui do alongamento intelectual ao trabalho duro das idéias sem sentir passar nem o tempo nem a dor. A arte de Quintana, além da poesia, é a da condução do espírito com leveza e minimalismo (estética que anda me atraindo, com o pouco dizer muito...). Mas quem disse que o poeta não é também um dançarino que sabe se conduzir com maestria no ritmo da vida e na melodia das idéias? Nessa dança acabei sendo conduzido por ele, e fui tão bem conduzido, que acabei aprendendo alguns passos de seu estilo, sem modéstia.
quarta-feira, 8 de outubro de 2008
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Um comentário:
Como disse o próprio Quintana, "a modéstia é a vaidade escondida atrás da porta".
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