terça-feira, 30 de outubro de 2007

O post de um e o comentário de outro

Esse post nasce de um encontro. Encontro de idéias. Começa num blog e termina no outro ( ou não termina...). O texto e seu comentário. As ironias que habitam os dois textos. Principalmente o do primeiro que é mais sutil e escondido, e por isso mesmo mais irônico. Mais forte. Aqui vai então a reprodução. A parceria literária:Cacau-De Castro. E a prova de que o pensamento evolui com os encontros, com a coação. Que o encontro é a ebulição do novo. Pensar é movimento, é colocar-se em movimento:

Lembretes:
1. comprar gibis da Turma da Mônica para intercalar com minhas maçantes leituras;
2. comprar cocaína (pois a nicotina não está dando conta do recado);
3. comprar (qualquer coisa. Afinal a regra é consumir!).
Postado por Cacau às 14:18

1 comentários:
de Castro disse...
É, o duro é sair dessa lógica. Mas podemos substituir o verbo...do Ter para Ser...substitui só...Ser um Gibi da turma da Mônica, Ser cocaína, Ser qualquer coisa...a vida ganha outra cor...bota no lembrete assim também: substituir todo o ter pelo ser...vou experimentar fazer isso...exercícios espirituais...

Consciência da fatalidade

Parece ser da fatalidade tudo aquilo que está atrelado a algum acontecimento, aquilo que é imanente e que não permite fuga. Não confundir a fatalidade com a tragédia. Nem toda fatalidade é trágica. Há uma linha tênue.

Nesse sentido, toda civilização produz a sua doença, a sua barbárie. Toda civilização carrega em si uma fatalidade. Também todo homem. Nós estamos sempre providos de meios para a degradação. Fabricação autêntica, participativa de nosso destino, manufaturada pelas nossas mãos, independente de todo erro e acerto. Não confundir a fatalidade com a tragédia. Em Édipo elas se confundem. No destino trágico sucumbe o homem, o herói, mas há um ganho de humanidade. O homem supera a sua dimensão ao criar para si uma nova consciência sobre a vida. Uma consciência trágica, mas não fatalista. O homem é transformado pela vida.

A nossa civilização não possui ares trágicos. O homem contemporâneo não tem uma dimensão maior de sua vida. Dimensão maior não quer dizer algo metafísico, além mundo. A consciência trágica é e se vale no próprio mundo. Ela é positiva, dá à vida a sua verdadeira medida, se valendo da dor e do limite. Não sei se uma consciência fatalista é positiva. Mas, certamente, possuímos a nossa consciência da fatalidade - será? - que agora mesmo estamos criando. O que ela nos ensina? E quais são as barbáries que fabricamos? O nosso câncer?

terça-feira, 23 de outubro de 2007

Uma escrita confessional

Os movimentos do pensamento nos pregam algumas peças. Ou será o inconsciente ainda, que mesmo atropelado pelo razão, nos atravessa? Bem. Hoje acordei e a primeira coisa que escrevi foi o seguinte: "Não vejo mais muita graça no escrever para confessar. Quanto mais a escrita se aproxima da confissão mais ela se aproxima da culpa. O papel torna-se padre. A escrita a reza. Afastar a escrita desse ponto. O mais interessante é quando a dor não mais fala, não mais se escreve para simplesmente dizer um sofrimento, e sim quando ela ultrapassa a dor mais individual para entrar na dor do mundo."

E a prova de que às vezes não estamos na altura do nosso pensamento, que escrevemos uma coisa e vivemos exatamente o contrário, foi reler tudo o que escrevi hoje (pouparei vocês de tais confissões ridículas...). Também não ficamos todo o tempo dentro de nossa própria vertigem. Nos traímos. E o que escrevi hoje ao longo do dia ficou cheirando a confessionário! A prova irrefutável foi, já de noite, eu ter me interessado em reler alguns trechos da "Consciência de Zeno". E o livro é de uma escrita confessional! Zeno é aquele que, mandado pelo seu psicanalista, escreve a história de suas dores para resolver os seus problemas. A escrita pode e deve mais.

Até que ponto, podemos nos perguntar, a confissão da escrita, ou a escrita do divã se assemelha àquela confissão cristã? O divã é o Deus moderno? Deus é um grande divã? A quem a culpa se dirige no divã? Não entendo nada de psicanálise para responder a tais questões. Mas creio que a escrita, a literatura pode ir além das próprias dores de um indivíduo. A literatura é a escrita da dor do mundo.

Dos problemas de se ler

Tem personagens que são tão fortes que não aguentamos a sua vertigem. São tão densas e constantes as inúmeras metamorfoses que ele sofre, é tão variada e sutil a gama de experiências que ele sente, que não conseguimos acompanhar com firmeza o seu devir. O acontecimento é bem maior do que nós. E mesmo se esse personagem expõe exatamente isso - alguém que não está no nível do acontecimento que a vida lhe dá - nós não conseguimos. O tempo de que é feito um personagem não é o mesmo de que nos servimos para lê-lo. Então, algo escapa. Ele, mesmo caminhando em passos lentos, tem o seu processo em andamento. E nós, de quanto tempo precisaremos para realmente sentir e entender um personagem em seu limite? Muito tempo. E a vida ainda não está pronta para a vertigem que o ser quer ter. Mas isso é bom. E a vertigem será um dia retomada.

Nesses livros assim, não se pode também bobear. Qualquer consciência frouxa pode colocar tudo a perder. O livro exige um acompanhamento de médico na Uti. É pelo intensivo que o livro nos pega. Se não estiver em tal clima proposto, sente-se náusea (nada de Sartre por aqui), as palavras marulham, e se vomita o livro por não aguentá-lo, ou por comê-lo em certo tempo indevido.

Refiro-me aqui a leitura de "A maça no escuro", da Clarice Lispector. A vertigem foi tanta que o abandonei na página 170, na metade. Não consegui acompanhar o seu processo. Um pouco de culpa minha talvez, mas em sua maioria foi pela grandeza do livro. Voltarei a ele brevemente. Mas será que essa leitura pela metade foi em vão? Duvido.

segunda-feira, 22 de outubro de 2007

Uma amizade

À amizade devo a elaboração e manutenção daquilo que mais quero: Escrever. Devo porque ela me convoca para a escrita, devo porque ela não cessa de me levar para o lugar em que mais amo estar, mesmo quando às vezes creio menos nesse lugar e no que de mim pode habitar nele.

E, no nosso caso, podemos dizer que o nosso encontro é escasso materialmente. Mas o que é um encontro? Um encontro é também uma idéia, um sentimento que a gente margeia, penetra. Assim, podemos nos encontrar quando não há corpo. Assim, o encontro se dá fora do tempo e do espaço, ultrapassando aquilo que há de mais básico na realidade. Assim nos encontramos com Cervantes, Shakespeare, como também com aquela pessoa que mora longe, e mesmo aquela que nem conhecemos.

E o que é um amigo senão aquele que encontramos e que nos faz caminhar com mais leveza e alegria um certo caminho? A escrita é o nosso caminho. Caminhemos então juntos.

quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Incubadora

Desde sempre a espera o habitou como certeza. Espera e liberdade juntas e planas no nascer. E depois de nascer, ter de esperar para nascer de novo, pleno. Quantos foram os meses em que ficou ali, apenas sentindo o mundo, numa espécie de bolha? A realidade e o real não poderiam - jamais - ser o mesmo, o de todos. Sem linguagem, sem contatos, movia-se e chorava. De um nada ao outro. E o que fazer com aquilo que ia se acumulando dentro? Porque as coisas se acumulavam, a fome atrás de fome, um choro atrás de choro, uma sombra cega passando atrás de uma outra sombra cega, e os afetos - Quais? E o que ultrapassava para o campo do real-real, de seu corpo franzino e desajeitado, daquela alma que se fazia como a própria natureza bruta? E a realidade e o real de hoje - jamais - seriam fundado com a mesma sensibilidade do senso comum. E aqueles meses na incubadora, prematuro, vivendo mas não vivendo, sendo de outro jeito, foram fundamentais para a constituição de seu ser.

Introdução a ela

De fato, a sua beleza não era ideal. Mas que beleza é essa que precisa de uma idéia de ideal para se realizar? Muito pouco reteríamos ao olhar pra ela se tivéssemos tal idéia de beleza, de arquétipos, protótipos, paradigmas.Não. Para vê-la com plenitude (o corpo e alma juntos) era preciso ter olhos sensíveis e apurados. Olhos não embrutecidos e corrompidos pelo mundo.

E ai se via ela toda:essa alma, envolta no véu da delicadeza, onde a timidez não se mostra como medo, mas sim como respeito silencioso, onde a simplicidade lateja como traço mais rascante e elementar. Simplicidade que saboreia uma sabedoria que só a ingenuidade produz. Simplicidade que combate de forma terna essa ordem caótica que habita o mundo como sintoma raivoso e crônico de uma degradação. E no meio disso tudo, onde reside a esperança? Nela. Naqueles traços que naturalmente compõe. Naquele sorriso onde todo a alma é dita. Naquilo que o mundo não conseguirá nunca destruir: a beleza ingênua e delicada. Pois que armas usar contra a beleza? Contra o amor? Contra a flor? "A beleza será convulsiva, ou não será?" E num ponto condensado da vida (Ela), tudo que a vida precisava.

E aqui um poeta que a viu. Qual será o seu estado depois de tal visão, de tal esperança? Na certa, já era afetado por ela. E essa ainda pouca influência - porque a vira somente algumas vezes - já era uma espécie de introdução a ele. E mais ainda uma introdução a ela. Havia mais. Poderia, conseguiria ver? E aqui um poeta já arrebatado por aquilo que vislumbrou.

quarta-feira, 3 de outubro de 2007

Questão de gosto?

Se arte fosse somente questão de gosto, gostar ou não gostar, seria uma questão absurda essa minha louca paixão. Se perguntamos ou respondemos no final de um filme ou de um livro se gostamos ou não é apenas questão de hábito e de uma urgência comunicativa. Dizer o que de qualidade depois - imediatamente depois - que se assista a um filme de Antonioni? Dizer o que rapidamente sobre um romance de Clarice Lispector? Nada que seja digno da obra.

E mesmo assim, a arte não se resume ao problema de um gosto particular que se adequa a um certo estilo, a um certo pensamento que lá está exposto. É antes uma problematização. E uma problematização bem produzida, miméticamente produzida, poeticamente produzida. O que está em jogo ali? Que problemas essa obra atravessa? Que imagem é essa que ainda apenas vislumbramos? Talvez essas questões correspondam mais ao processo de experimentação de uma obra de arte. Quanto menos formos na obra com objetivo de "encontrarmos algo" mais saberemos da obra. A experimentação na arte é bem diferente da experiência da ciência.

E também: Um livro não se termina, é apenas simbólico o encerrar de suas páginas. Aquilo que se experimenta ali não diz respeito a um final narrativo ou mesmo vivido. Arte é coisa que se rumina, saboreia, que se deixa ficar dentro da gente sem saber pra que.