sexta-feira, 28 de setembro de 2007

Cegueira poética

Havia cegado de tanto ver o mundo. Olhava, olhava, coçava a vista com desespero. Não era tudo branco, nem negro.Não, não, estava tudo ali, os móveis, a sua mulher, as nuvens e os pássaros dentro da janela,a poeira no chão. Enfim, tudo estava ali, na sua frente, representado. Mas já não conseguia extrair nada de nada. Quem dizia o que para ele? Nada. E ele com os seus olhos esbugalhados via menos que os cegos, que Borges, que Homero, que Tirésias. Parecia estar imerso no vácuo da linguagem, parece até que nele já nem havia linguagem. Era sempre um balbucio, um ruminar, umas frases feitas sobre tudo. Dentro dele já não havia relação entre as coisas.


Tentava lembrar das imagens que até então viu. E eram nada mais do que fotografias de estrangeiro.Foi até o espelho para tirar a grande conclusão. Não se viu. Ou melhor, ele estava ali todo, nu, mas não sabia quem era. Era uma cegueira poética.

Um comentário:

Cacau disse...

Interessante ficar cego de tanto usar o olho (à exaustão) e o mundo se tornar um palco infértil para o sentido visual. Seria ataraxia o que seu personagem sentiu?