sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Depoimento

Para Nádia

Tenho um carinho muito especial por você. É tanto que acho que não cabe em mim. Não sei se meu coração é pequeno demais ou se tudo isso é mesmo maior do que um corpo pode suportar. O fato é que tenho andado ofegante, suspirando alto, como se o corpo quisesse dizer para alma que existe nele algo bonito demais e que seria absurdo mantê-lo escondido, preso nas bordas da pele. E na verdade, o afeto tem razão: por quê ocultar um carinho tão grandioso? Por quê não mostrá-lo e dá-lo para o mundo? São tempos difíceis em que as pessoas andam cismadas de dizer que gostam, que amam, com medo de sentir e sofrer e que tudo se perde no silêncio; e às vezes tudo se perde porque foi dito com temeridade e indiretamente que tudo se perdeu na indecisão das coisas. E quando finalmente tomamos coragem para dizer, já é tarde demais, inútil, vã qualquer palavra.

Ninguém sabe ao certo porque um sentimento nasce dentro da gente. Não há lei para os sentimentos. Neles o que há é a verdade de estar existindo. Sinto, logo existo. E constato em mim essa verdade que me liga a ti. Como diz no livro que tem teu nome, a beleza é convulsiva, revolucionária, ou não é nada. E pela sua beleza eu já fui tocado, convulsionado, revolucionado.

Existe uma dupla consequência nesse ato de gostar de alguém: é um duplo movimento que ele provoca, dupla exaltação da vida. O primeiro é quando vemos a vida mais iluminada, tudo brilha, tudo cheira a intensidade, tudo é muito mais. O segundo é quando, tocado por essa exuberância, somos convocados a devolver à vida o mesmo brilho. Tudo se reveste de uma bela potência de paixão. E tudo por causa de um único ser, uma única pessoa no meio de tantas.

Já falei e não cansarei de repetir que você é como uma florzinha para ser cuidada, protegida, amada, adorada, nesse nosso mundo cão. Para que permanece em ti essa sua beleza, essa candura, esse sorriso envergonhado que adoro tanto, o meu desejo é cultivar-te com o que há de melhor em mim. E sempre, longe ou perto, tentarei fazer com que sinta essa paz que você me dá sem saber como e porquê, gratuitamente, como só as coisas mais belas conseguem ser e dar na simples ação de estar existindo.

Que meu coração jamais pense em deixar de te adorar...o coração se pudesse pensar pararia...
Beijos nos olhinhos que são tão lindos...

Te adoro minha pateta...

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Alongamento com Quintana

Tenho essa ambição de querer ler todos os livros do mundo. Pois Bem. Nessa fúria inebriante de querer engolir o mundo com uma boca só é necessário um certo método. Nem tudo consegue adentrar nessa boca pequena que vos vala. Tratando-se de conhecimento podemos dizer que existem certos alimentos espirituais totalmente indigestos, ou que no mínimo precisam de uma boa sessão de corte para que se engula as partes e uma preparação espiritual, um ascetismo mesmo para poder nos permitir apreender tudo. Ninguém entra numa churrascaria impunemente sem preparar previamente o estômago e a alma que também se inflará. Não se sairá igual. Da mesma forma e muito pior acontece com a arte e a filosofia, é também prudente preparar a alma e o estômago, sim, o estômago!, para cada inserção nesses livros onde escorrem gorduras de conhecimento. Assim: quem come um touro inteiro chamado Dostoiévski? Alguém encara, assim, sem mais nem menos, numa singela tarde de domingo uma ópera de Wagner ou uma “refrescante” dose da filosofia de Nietzsche? Duvido que não passe mal depois, duvido. Pode até causar vertigem irrecuperável! Até que algumas, nesse nosso mundo insosso, são muito recomendáveis...

Pois bem. Hoje chove. E minha alma anda muito suscetível a abalos sísmicos sem aviso prévio. Ela está precisando de flexibilidade nas estruturas para não desmoronar em qualquer encontrão com a dor da terra. Pensando nisso e agarrado a essa minha ambição filosófica de mundo, antes de começar a ler Nietzsche e Dostoiévski hoje, principiei o dia lendo um livro do Mário Quintana, A Vaca e o Hipogrifo, com o pretexto de alongar as idéias antes de entrar na maratona filosófica. Acabei me retendo nele, devorando-o e descobrindo uma certa alegria, um certo humor da genialidade que faz com que percorramos um caminho árduo na mais calma plenitude. O livro consiste de pequenas trechos inteligentíssimos e humorados sobre temas variados. E quem convive comigo sabe: tenho essa teoria, nem sei se é teoria, e provavelmente não é também original, tá, ok, essa constatação de o gênio nos faz sorrir até mesmo da dor, que uma idéia genial tem como consequência última a gargalha diante do espanto. É isso que constato em Quintana, quando o lemos brota um inocente sorriso de criança que brilha ao ver o mágico tirar o coelho da cartola.

O que aconteceu foi isso. Fiquei o dia inteiro lendo Quintana e quando me dei conta já estava em outra etapa do ensinamento, respirando uma atmosfera muito mais animadora. Fui do alongamento intelectual ao trabalho duro das idéias sem sentir passar nem o tempo nem a dor. A arte de Quintana, além da poesia, é a da condução do espírito com leveza e minimalismo (estética que anda me atraindo, com o pouco dizer muito...). Mas quem disse que o poeta não é também um dançarino que sabe se conduzir com maestria no ritmo da vida e na melodia das idéias? Nessa dança acabei sendo conduzido por ele, e fui tão bem conduzido, que acabei aprendendo alguns passos de seu estilo, sem modéstia.