(E de tão inebriado pelas suas Estórias e linguagem, resolvi fazer um conto para alegrar meu amigo.)
Aqui, longe do sertão, também existe um Menino. E os bichos, reduzidos, são de um pequeno sítio nos confins da cidade. Algumas galinhas, patos, gansos. E - que absurdo! - alguns passarinhos presos. O menino tinha pena deles. Falava para o pai, quando este reclamava que há tempos não ouvia o canto do curió: “Para que, ou quem, o pobre do bicho vai cantar?! Ele não pode namorar ninguém na gaiola! Ele é igual a gente, a gente só gosta de cantar quando está feliz, quando tem gente perto, quando pela rua a gente está alegre para ir num monte de lugar...Preso assim o passarinho não tem vontade de cantar...Eu quando fico de castigo, trancado no quarto, não tenho vontade de cantar...fico quieto.”
Adorava observar os bichos. Gostava mais das galinhas. E tinha uma, a menor do galinheiro, que sempre vinha para perto dele ciscar. Pertinho. Até migalhas na palma da mão do menino ela vinha bicar. Ela tinha até nome, a única: Laguinha. Quando ele era bem menorzinho, o menino não podia ver uma galinha que gritava: “Olha mãe! É a laguinha! A laguinha!” Depois, já um pouco crescido, a mãe lhe contou o episódio, e ele gostou tanto do seu erro que resolveu mantê-lo em algum lugar. O menino alimentava Laguinha todo dia no quintal.
Até que um dia o pai, temeroso da violência que se aproximava, vinda da cidade, decidiu compra um cão. Era um Pastor Alemão, de raça pura, para amedrontar os outros com valor. O cão não era filhote, já estava crescido. E o menino achou estranho, ele não gostar muito de brincar. Não fazia como Laguinha que saia do galinheiro e ia direto para perto da porta da casa, buscar as suas mãos e as migalhas. Ele quase não se chegava. Ficava retraído, deitado no portão da casa. Era o menino que tinha de chegar no bicho. E, às vezes, ele nem gostava de carinho. O menino se chegava e ele logo se retesava, eriçava o pêlo, rosnava baxinho para ninguém ouvir. Reclamou: “Pai, esse cachorro é estranho, tem dia que ele rosna pra mim, acho que ele não gosta de mim. Na verdade, eu acho que ele não gosta de ninguém. Gosta de ficar sozinho esse cão”.“Para proteger a casa ele serve filho”, respondia.
E ai, Laguinha não podia mais ficar solta o dia inteiro. Nenhum bicho! Só rapidamente para esticar um pouco os músculos e ciscar um pouco as minhocas e formigas perdidas. E ele quase não via mais Laguinha. Só quando entrava no galinheiro. Mas não era a mesma coisa. Bom era ver Laguinha se chegando, vindo meio atabalhoada, distraída, cínica, olhando tudo. Fazia até um pouco de charme, Laguinha! Laguinha mais perto do menino que das galinhas, parava. Fazia que voltava, rodopiava, fingia que olhava, fingia que ciscava. Ai o Menino tinha de ir ao encontro de Laguinha! Ele também um pouco charmoso. Ia devagar, os dois agora bem próximos, o Menino abaixado, simulando gestos. E quando nada mais restava a ser feito, quando nenhum gesto podia mais ocultar o real sentimento, os dois caminhavam de verdade, num embate fraterno, para o concreto ato da amizade. Laguinha quase empoleirada na sua mão atrás das migalinhas. E ele contente de poder acariciar Laguinha e vê-la de perto. Veja bem: uma galinha que gosta de carinho. Veja bem: um Menino que gosta de acariciar galinha. Isso não tinha de ser contado?
E agora Laguinha no poleiro nem gostava muito de comer muito as migalhas que o Menino preparava. Preferia comer junto com as outras. A ração de todos os dias. E o menino, na penumbra do galinheiro, não via bem os detalhes de Laguinha. Ela também, nem parada ficava, atiçada pelas outras galinhas. Nem dava para fazer carinho. Nem dava para receber carinho. Tudo muito conturbado ali dentro!
Hoje o Menino estava com muita saudade de Laguinha como era. Ele e Laguinha estavam parecidos com os passarinhos que não cantavam. O Menino preso em sua tristeza.
Alguma coisa tinha que ser feita.
E não é que o Menino, um tempo depois de ficar bastante triste, para sua surpresa, pois isso nunca acontecia, estava sozinho em casa?! E Por quê? O cão havia fugido! O pai saia agora para procurar o bicho que escapara no meio da noite. Então ficaria ele de novo alegre? Ele, Laguinha e as migalinhas?
Como correu o Menino para abrir o galinheiro! Arfava, pulava, tropeçava em tanta alegria. Abriu e logo tornou a correr depressa para dentro de casa, para pegar as migalhas de pão e ficar na beirada da porta à espera de Laguinha. E ele já via Laguinha se distanciando das outras galinhas. Só ela, toda-toda, com os seus pulinhos e bater de asas, num zig-zag desengonçado, vinha para tirar os atrasos da alegria. Laguinha pulava tanto que quase voava. Não havia nem tempo para fazer charme, como os amantes atropelados pela saudade.
Laguinha na sua mão, duradoura, abandonada nas migalinhas, lânguida para os carinhos. Ele olhando para o que já estava lançado como o inacreditável acontecimento.
E não é que as outras galinhas ficaram com ciúme de Laguinha? Será que nesse tempo de reclusão ela havia contado para as outras galinhas o que fazia lá longe do galinheiro? Porque agora, num momento só, corriam em sua direção, desordenadas, todas as outras galinhas, umas atrás das outras, desesperadas, com pulos de dar inveja a macacos. Por quê, senão, qual outra explicação, para tamanha correria das galinhas? Todas então, agora, para as migalhas e os carinhos na mão do Menino? Quantas mãos e migalhas teria que ter? Então era isso, toda alegria implodida em Laguinha, como num feitiço, contagiara todas as outras? Galinhas solidárias essas que com tanta tristeza de uma só galinha, explodiam em passeata em busca de tamanha utopia...
Mas as galinhas desordenadas não vinham com cara de quem sorria...
Voavam penas das galinhas, aos montes. Distantes, nem Laguinha nem o Menino ainda entendiam o acontecido. E foi aqui, nesse instante, que também Laguinha e o Menino, perderam o encantamento da Estória. Era o cão encontrado. Uma, duas, três, quatro galinhas, já não voavam. E agora, já era pouca à distância do cão. Ambos assustados fizeram inconseqüentes gestos sem retorno. Laguinha, já longe da mão do Menino, corria para não se sabe onde. O Menino, em vão, tentando afastar o cão. Mas era o cão, com os seus dentes a solta, que espantava o Menino para dentro de casa. E o pai lá longe, correndo e assustado, desprevenido, mais desesperados que todos, vislumbrando todas as tragédias e tristezas, tentava.
O Menino não queria ver o que já esperava. Ninguém queria. Acuado atrás da porta, o menino chorava de medo e de vergonha. E de muita dor. Ele não olhando para o que já estava lançado como o inacreditável acontecimento.
Depois desse dia, nunca mais o Menino foi menino. E o pai, do que dele restava sem o Menino? E do mundo sem Laguinha?
Aqui, longe do sertão, também existe um Menino. E os bichos, reduzidos, são de um pequeno sítio nos confins da cidade. Algumas galinhas, patos, gansos. E - que absurdo! - alguns passarinhos presos. O menino tinha pena deles. Falava para o pai, quando este reclamava que há tempos não ouvia o canto do curió: “Para que, ou quem, o pobre do bicho vai cantar?! Ele não pode namorar ninguém na gaiola! Ele é igual a gente, a gente só gosta de cantar quando está feliz, quando tem gente perto, quando pela rua a gente está alegre para ir num monte de lugar...Preso assim o passarinho não tem vontade de cantar...Eu quando fico de castigo, trancado no quarto, não tenho vontade de cantar...fico quieto.”
Adorava observar os bichos. Gostava mais das galinhas. E tinha uma, a menor do galinheiro, que sempre vinha para perto dele ciscar. Pertinho. Até migalhas na palma da mão do menino ela vinha bicar. Ela tinha até nome, a única: Laguinha. Quando ele era bem menorzinho, o menino não podia ver uma galinha que gritava: “Olha mãe! É a laguinha! A laguinha!” Depois, já um pouco crescido, a mãe lhe contou o episódio, e ele gostou tanto do seu erro que resolveu mantê-lo em algum lugar. O menino alimentava Laguinha todo dia no quintal.
Até que um dia o pai, temeroso da violência que se aproximava, vinda da cidade, decidiu compra um cão. Era um Pastor Alemão, de raça pura, para amedrontar os outros com valor. O cão não era filhote, já estava crescido. E o menino achou estranho, ele não gostar muito de brincar. Não fazia como Laguinha que saia do galinheiro e ia direto para perto da porta da casa, buscar as suas mãos e as migalhas. Ele quase não se chegava. Ficava retraído, deitado no portão da casa. Era o menino que tinha de chegar no bicho. E, às vezes, ele nem gostava de carinho. O menino se chegava e ele logo se retesava, eriçava o pêlo, rosnava baxinho para ninguém ouvir. Reclamou: “Pai, esse cachorro é estranho, tem dia que ele rosna pra mim, acho que ele não gosta de mim. Na verdade, eu acho que ele não gosta de ninguém. Gosta de ficar sozinho esse cão”.“Para proteger a casa ele serve filho”, respondia.
E ai, Laguinha não podia mais ficar solta o dia inteiro. Nenhum bicho! Só rapidamente para esticar um pouco os músculos e ciscar um pouco as minhocas e formigas perdidas. E ele quase não via mais Laguinha. Só quando entrava no galinheiro. Mas não era a mesma coisa. Bom era ver Laguinha se chegando, vindo meio atabalhoada, distraída, cínica, olhando tudo. Fazia até um pouco de charme, Laguinha! Laguinha mais perto do menino que das galinhas, parava. Fazia que voltava, rodopiava, fingia que olhava, fingia que ciscava. Ai o Menino tinha de ir ao encontro de Laguinha! Ele também um pouco charmoso. Ia devagar, os dois agora bem próximos, o Menino abaixado, simulando gestos. E quando nada mais restava a ser feito, quando nenhum gesto podia mais ocultar o real sentimento, os dois caminhavam de verdade, num embate fraterno, para o concreto ato da amizade. Laguinha quase empoleirada na sua mão atrás das migalinhas. E ele contente de poder acariciar Laguinha e vê-la de perto. Veja bem: uma galinha que gosta de carinho. Veja bem: um Menino que gosta de acariciar galinha. Isso não tinha de ser contado?
E agora Laguinha no poleiro nem gostava muito de comer muito as migalhas que o Menino preparava. Preferia comer junto com as outras. A ração de todos os dias. E o menino, na penumbra do galinheiro, não via bem os detalhes de Laguinha. Ela também, nem parada ficava, atiçada pelas outras galinhas. Nem dava para fazer carinho. Nem dava para receber carinho. Tudo muito conturbado ali dentro!
Hoje o Menino estava com muita saudade de Laguinha como era. Ele e Laguinha estavam parecidos com os passarinhos que não cantavam. O Menino preso em sua tristeza.
Alguma coisa tinha que ser feita.
E não é que o Menino, um tempo depois de ficar bastante triste, para sua surpresa, pois isso nunca acontecia, estava sozinho em casa?! E Por quê? O cão havia fugido! O pai saia agora para procurar o bicho que escapara no meio da noite. Então ficaria ele de novo alegre? Ele, Laguinha e as migalinhas?
Como correu o Menino para abrir o galinheiro! Arfava, pulava, tropeçava em tanta alegria. Abriu e logo tornou a correr depressa para dentro de casa, para pegar as migalhas de pão e ficar na beirada da porta à espera de Laguinha. E ele já via Laguinha se distanciando das outras galinhas. Só ela, toda-toda, com os seus pulinhos e bater de asas, num zig-zag desengonçado, vinha para tirar os atrasos da alegria. Laguinha pulava tanto que quase voava. Não havia nem tempo para fazer charme, como os amantes atropelados pela saudade.
Laguinha na sua mão, duradoura, abandonada nas migalinhas, lânguida para os carinhos. Ele olhando para o que já estava lançado como o inacreditável acontecimento.
E não é que as outras galinhas ficaram com ciúme de Laguinha? Será que nesse tempo de reclusão ela havia contado para as outras galinhas o que fazia lá longe do galinheiro? Porque agora, num momento só, corriam em sua direção, desordenadas, todas as outras galinhas, umas atrás das outras, desesperadas, com pulos de dar inveja a macacos. Por quê, senão, qual outra explicação, para tamanha correria das galinhas? Todas então, agora, para as migalhas e os carinhos na mão do Menino? Quantas mãos e migalhas teria que ter? Então era isso, toda alegria implodida em Laguinha, como num feitiço, contagiara todas as outras? Galinhas solidárias essas que com tanta tristeza de uma só galinha, explodiam em passeata em busca de tamanha utopia...
Mas as galinhas desordenadas não vinham com cara de quem sorria...
Voavam penas das galinhas, aos montes. Distantes, nem Laguinha nem o Menino ainda entendiam o acontecido. E foi aqui, nesse instante, que também Laguinha e o Menino, perderam o encantamento da Estória. Era o cão encontrado. Uma, duas, três, quatro galinhas, já não voavam. E agora, já era pouca à distância do cão. Ambos assustados fizeram inconseqüentes gestos sem retorno. Laguinha, já longe da mão do Menino, corria para não se sabe onde. O Menino, em vão, tentando afastar o cão. Mas era o cão, com os seus dentes a solta, que espantava o Menino para dentro de casa. E o pai lá longe, correndo e assustado, desprevenido, mais desesperados que todos, vislumbrando todas as tragédias e tristezas, tentava.
O Menino não queria ver o que já esperava. Ninguém queria. Acuado atrás da porta, o menino chorava de medo e de vergonha. E de muita dor. Ele não olhando para o que já estava lançado como o inacreditável acontecimento.
Depois desse dia, nunca mais o Menino foi menino. E o pai, do que dele restava sem o Menino? E do mundo sem Laguinha?